A deseducação

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Àqueles que, involutariarmente, jogaram os sapatos em mim. Eu vos agradeço.
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E aí mandam a gente pedir desculpas.
Desde que somos criancinhas e, levianamente, jogamos comida na mamãe, ela olha e diz não pode e peça desculpas à mamãe. E obedecemos, como pequenos aprendizes de uma arte que carregaremos ao longo de nossas vidas.
Na visita dos parentes distantes, ao passar pela sala, o menino é ensinado a pedir desculpas quando for atravessar alguém, pedir desculpas quando sorrir alto ao achar engraçado a roupa feia da titia, pedir desculpas quando o copo de café quente é derramado sobre o tapete vermelho da sala. E, nós, os articuladores dessas ‘belas’ histórias, inventamos esse mundo de formalidades para que a presença viva do novo não nos assuste tanto.
Tudo nasce como fruto de uma profunda desonestidade e essas palavras mágicas surgem como se não houvesse outro remédio. A cada hora que passa, um escreve com a mesma caneta o sermão de mentiras que o outro deseja ouvir. É também o namorado ligando para a namorada e pedindo desculpas pelo flagra no motel com a outra. Ai...essas histórias de convivência, essas conversas de boa educação vão nos tornando cada dia menos sensíveis.
Dia desses, ouvi uma história engraçada de um garoto que teve que pedir desculpas ao coleguinha porque o chutou na canela na hora do futebol. E eu pergunto: de que adianta o afago das palavras se o íntimo já não atende mais? A presença delas somente alivia o peito e reforça a falsa educação que atendeu um chamado. O menino crescia em ódio, mas a boca foi obrigada a falar nunca mais farei isso de novo.
Nesse diagonal que é a vida, há espaços também para os pêsames, as calamidades, as situações de desagrado. O mais curioso é o pai se torturar por dentro ao repetir cuidadosamente as desculpas pelo caminhão de brinquedo que não apareceu no Natal do filho. Por que não deixar as arestas das palavras? Por que arredondá-las?
E assim eu penso, pra que servem tantas desculpas quando, na verdade, o que mais queremos é ser insistentes nas nossas ambições. Pedir desculpas pela alegria, pela irreverência, pela ambigüidade? Nem pensar.
Dentro disso, não peço desculpas. Vivamos em entregar a cada um o que merece. Afagos e honras aos que nos deram flores. Certificados de inglória àqueles que cruzaram o caminho com facas em mãos. Quem ignora o espontâneo é porque tem medo dele e se aquece em meio aos arames farpados. Acho justo que ninguém deva satisfações. Que sejam bem-vindos os carinhos perigosos das verdades.

A reconquista

terça-feira, 29 de julho de 2008

Depois de mil e uma noites, este modesto volta a sentar na sua poltrona. Obrigado àqueles que vieram e eu não estava em casa. Sejam novamente bem-vindos..
Pardon moi.
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Mandei comprar sapatos novos. Pedi que trouxesse numa embalagem de laços fortes. Que fossem amarelos. Para mim, que sou cliente especial, eles viriam de longe. Como eu os daria a ela, feitos sob encomenda.
Depois da briga, era preciso fazê-la suspirar. Era preciso fazê-la refletir. Ficamos muito tempo longes. Eu aqui e ela lá. Eu tentando dizer e ela nem se importando com isso.
Rodei ruas e avenidas procurando o melhor motivo para apagar meus defeitos. Não é tão fácil assim esconder esse meu jeito, essa polêmica humanizada na qual me tornei com o passar dos tempos. O garoto de quinze anos já foi consumido pela responsabilidade desse “trinteoitão”. E o trabalho? E o compromisso com o pessoal da fábrica? E as respostas? Agora, a cabeça se volta para as contas, para os remédios controlados, para os efeitos dessa adrenalina chamada minha vida.
O que custava ter me dito que meu excesso de vergonha havia estragado tudo? E o que adianta esse excesso de perguntas se ela ainda não me ouve?
Ainda assim, continuei tentando. Como um sultão que encomenda um Taj Mahal a fim de retornar o desejo rumo a um mausoléu romântico de paixões eternas. Dessa vez, queria que o trabalho de restauro compensasse as infinitas odes solitárias que cantei nos dias frios. Dessa vez, eu queria a ela, a vida de princesa.
Mas não, ela dizia, o que se perde não se acha. E achando-o, se revê os estalos. No caso do nosso desabamento, uma nova encomenda.
Os sapatos chegaram. E eram divinos. Muito mais deslumbrantes que todo o mármore preto usado no edifício dos primeiros anos. Corri o pensamento para o dia oito. Cheguei e me apresentei. Renascido, contemplável.
Ela me olhou, pegou a encomenda e disse não.
Desesperado, saí à rua e, esperando pela última ação, eu a vi se preparando para atirar os sapatos em mim, como da última vez.