Para velhos relógios do novo ano!
Um é passado, o outro é presente. Num curto espaço de tempo, vêem-se sonhos e desejos sendo administrados da maneira mais mágica que poderia acontecer. Os fogos de artifício anunciando que um céu cada vez mais colorido se fará presente a partir de agora. Os mares saudando os milhares de pés que se fazem sereias pelas praias do lugar. Crianças e adultos deixando escorrer dos olhos água limpa que pede passagem pelas bochechas e lenços.
No entanto, longe dessa cena, dentro de uma pequena casa, há uma menina sentada. E ela não quer participar em nada dessas coisas. Não quer porque tem seus motivos. Não quer porque não se encantou como todos os outros. Por muito insistir, ela se atreve a falar enquanto corta um pão de sal.
Ela não acredita nessa história de “ano novo”. Aliás, pra ela é só mais um que chega. E chega como chega qualquer dia da semana. Chega como qualquer segunda, terça, quarta ou enésima. Como qualquer caminhão que faz entregas em dias comuns. Acha que essa história de ano novo é piada. Pura piada. De novo não há nada. Porque os desejos são todos de ontem. São todos de antes.
Mas a raiva não é do ano que chega, a raiva de como eles esperam que ele chegue, ela diz. Ele chega já cheio de obrigações. Ela acha que o ano não se inaugura. É um ano pré-moldado, ela completa. Já sabem o que vão fazer, quanto vão gastar, o que vão comer, vestir ou beber, ela atropela. Ou seja, não há novidade nenhuma. A diferença é que na noite da virada, as pessoas não dormem, como fariam em outro dia, ela desabafa.
E sobre a felicidade das pessoas ao olharem o sol esfogueando-se; ridículo! Porque amanhã mesmo o glamour terá cor de cinza, ela se descontrola.
Vendo-a falar dessas coisas todas, me fiz lembrar de algo que não se deu conta. O ano que chega tem lá seus problemas, sim. Mas muita coisa não caberá nas agendas. Será surpresa. Surpresa como a árvore que nasce, como o vôo solitário, como o bebê que chora sem que lhe peçam, como a fé que retorna ao buraco do meio do corpo, o coração.
Buraco fundo o bastante para caber tudo de novo do feliz ano novo que chega: os novos olhares, os novos sabores, os novos sonhares, os novos amores.