Aos meus amigos, minhas caixas prediletas
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Rosas, azuis, amarelas ou cor de chão. Pessoas são caixas de sapatos. Podem estar leves como o quê, ou cheias de amargura, inveja e decepções. Alguém as escolhe para ocupar o canto superior do guarda-roupa, no íntimo de fazer-lhes escondidas. Há aqueles que elegem outros para um lugar especial e os guarda das aflições. Há caixas que são escolhidas para não serem escolhidas. Jogadas ao canto, se enchem de traças e baratas que estragam seus sonhos, seus objetivos. Encolhem sua vida.
Razões mil outros têm na hora de fazer de uma caixa de sapato um objeto de decoração. Há aqueles que fazem dos outros belas obras de arte, um artigo de luxo no estilo decòupage. Sabem identificar suas potencialidades, os seus melhores atributos.
Mas quanto às caixas e à sua razão... Muitas delas se mantêm fechadas livres da insensatez. Se preservam de tudo e de todos. Até dos sapatos. Se lacram. Ou então, sabem ocupá-los devidamente. Para cada caixa, sapato. O sapato é o tiro de dor que o mundo oferece todo dia. A sola suja de terra, o pisão com o bico, uma chinelada nas costas. Há muito do que se guardar. As caixas espertas sabem muito bem.
Há aquelas que, mesmo não podendo, carregam consigo fardos de outros. O fim é a derrota. Para cada caixa, um par de sapatos. Já é o suficiente. Nada de querer guardar o mundo.
Há caixas que têm coloridos especiais, efeitos, formas de dobradura diferentes, mas o seu interior é comum. É igual aos das caixas-sem-sentido. É tudo papelão! Só para constar: o que importa mesmo é o espaço que há por dentro. Dentro de cada caixa. A forma como se encaixa um sapato dentro de uma caixa é um segredo. É uma busca por uma acomodação de um sentimento que precisa estar livre das intempéries externas. É dado um valor ao objeto guardado, o de um amor. (Que destino terá as caixas que não podem cantar um amor próprio?) O conteúdo acaba se tornando mais importante do que a embalagem. E nas pessoas, vai de igual forma. O segredo, então, não está no visual de fora, está na forma como se lida com as coisas de dentro.
Pessoas são caixas de sapatos
domingo, 27 de abril de 2008
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Marcadores: amor-próprio, caixas, pessoas
Historinhas japonesas ou o japonês convertido
terça-feira, 22 de abril de 2008
Obrigado pelo carinho sempre. Arigatou gozaimasu
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Elas nunca começam com saudade. Porque no Japão não há saudade. Há pensamentos de ontem. Porque as coisas são de ontem. E, para que isso faça sentido em qualquer lugar, acha-se o Japão um lugar incomum. Onde além da saudade, não há o acaso. Há o poente, o circunstancial, o ocaso. Há o Sol que teima em se pôr vinte e quatro horas após o seu.
E é esse Sol que braseia as historinhas bem japonesas, regadas ao molho shoyo com personagens tipicamente saquês habituais.
(...)
Em certa vez, há uma menino que se deita na sua minúscula cama. E na cabeça desse menino há coisas que se importam com os outros. Um garoto que decide expandir-se além dos limites da ilha Japão.
Não pensa só no pai ou só na mãe. Pensa no outro. Pensa naquele. Deixa de pensar consigo.
Vira-se e estuda um plano. Vai, noutro momento, virar terremoto e sacudir o mundo, chamando a atenção do real. Vai também contar sobre os seus segredos e as suas respostas sobre os caminhos difíceis que as pessoas escolhem seguir. Vai dizer-lhes que não é bem assim.
(...)
Um dia, acorda cedo e se localiza em Nagoya. Porque Nagoya é o centro. Infiltra-se por subcamadas. Quer ir mais fundo, para o efeito ser maior. O mesmo anseia ardentemente chacoalhar a terra firme e dizer-lhes que infertilizaram seu solo. E, que ele quer volta. Quer o retorno da cerejeira. E não, monumentos de cimento que só relembram histórias.
É chegado o grande dia e o menino vai enfim virar-se terremoto.
Se prepara e aciona-se.
Mas há algo errado. Pois que nada acontece. O menino-terremoto não atinge seu alvo.
Ele re-olha seu planejamento e o percebe em ordem. Mas, não sensibilizou.
Mais uma olhada e o menino vê os prédios japoneses em pé. E, ao lado deles há placas onde se lêem: “construções com esquema anti-terremotos”.
Pronto. Segredo revelado. A urbe japonesa se preparara para terremotos e outros abalos sísmicos.
O menino entristece-se. Seu plano por terra abaixo.
Ele pára e pensa.
Vai mudar de plano.
E na volta pra casa apanha no caminho um livro sagrado e decide ser homem-bomba.
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A lei dos nossos problemas
domingo, 13 de abril de 2008
Depois de algum tempo...
I'm here.
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Tenho sido capaz de pensar sobre questões que são antes de íntimas, coletivas. Elas falam sobre aquilo que eu e você inconscientemente produzimos ou nos deparamos.
Somos uma sociedade marcada pelo racionalismo, pelo complexismo, pela imperfeição. Mas o que poucos teorizam é o fato de sermos o resultado de muitos de nossos problemas. No entanto não são problemas particulares. Trazemos consigo os problemas da humanidade.
Há um celeiro de problemas irrespondíveis no mundo que as pessoas insistem em esquecê-los. Mas quem os dará conta?
Continuemos.
Se eu sou o resultado melhorado de experiências genéticas bem sucedidas, de, segundo a lei da adaptabilidade, resultado de um organismo melhorado biologicamente, sou o elemento final de uma série de evoluções fisiológicas.
Seguindo ainda essa linha de raciocínio, entende-se que os problemas que meu pai tivera na infância, ele conseguindo resolvê-los, repassara esse saldo para mim num processo psico-evolutivo. Impossível?
Sei que ainda é cedo para ficarmos acertando tais coisas. Mas se o vantagismo biológico, a mudança celular, e até mesmo as emoções são passadas de geração em geração biologicamente, porque as idéias não seriam? E junto com elas as perguntas insolúveis?
Saber que em todas as culturas elementos como o sorriso, a afirmação (mesmo que não hajam contatos próximos) as afirmações de Darwin nos são úteis quando nos predispomos a estudar o caos contemporâneo. Todos nós somos equipados diariamente de informações que urgem em respostas objetivas a todo instante. Mas se as respostas não vêm e os problemas continuam, quando eu morro, eles morrem comigo? São essas as perguntas às quais me refiro. O lixo contemporâneo e essa época maluca de ceticismo dizem que na nossa época as grandes narrativas já se foram. E que é a vez do ineditismo. Mas continuo batendo na tecla de que sou sim o resultado de problemas mal-resolvidos dos meus pais. Problemas fecundos que merecem respostas nesses dias de hoje. E que se não houver eliminação de dúvidas seguirão insistentemente até chegar em gerações futuras e desaparecem sob a forma de respostas plausíveis e concretas na sociedade do esquecimento.
Postado por Mota às 07:56 4 comentários
Vem como chuvarada
terça-feira, 1 de abril de 2008
Peço perdão aos meus ilustres leitores-amigos pela ausência. É o limite do artista.
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Comecei a cantar flores de outono enquanto você só me trazia invernos. Comecei a lhe contar segredos enquanto você tapava o sol com uma peneira. E quando eu queria vento, você só me trazia águas.
Resolvi seguir seu curso, embora condenável.
Virastes chuva. Caía de cima. Mas eu me perguntava: por que não chovias de maneira adequada? Por que não sentias o que deverias sentir?
E hoje, por que essa água toda não ousa me invadir por dentro, ao invés de ficar só respingando vergonhas?
E nesse momento olho pra você. Você cai. Você deságua.
Você me trazendo imagens feias todos os dias, achando bem que eu vou me importar com isso. Pois bem, não vou.
A água suja pode cair no meu quintal, mas água é corrente. Ela bate e vai embora.
Não deixe essa água condensar-se e virar pedra. Não permita ser icebergueada e ir-se para o Norte.
Ô meu bem, eu não serei a represa que esse seu rio procura.
Só serei o oceano que espera seu mar.
Postado por Mota às 07:37 5 comentários