A mesma coisa

sábado, 6 de dezembro de 2008

Se a idéia lhes parece absurda, dêem respeito. A cada um é permitido o direito de pensar. E mais que isso. De pensar pensando. Já "pensavam" os filósofos gregos quando em dias de sol ou de chuva se punham a pensar, a pensar e a pensar...estabelecendo inúmeros tratados sobre a verdade das coisas. A forma como foram constituídos não parece se encaixar na maneira como organizamos o pensamento dos nossos dias.

Longe de ser uma descrição sobre o que é o pensamento e o respeito ao pensamento alheio, reflito vagamente sobre como deixar escapar pensamentos individuais em tempos modernos de reflexão coletiva. Mesmo porque hoje é "normal" todo mundo pensar a mesma coisa. Sobre os fatos. Sobre a vida. Pergunto-me se parece esse caminho ser o mais fácil?

Na escola, nos estádios, em frente à televisão, pensamos todos a mesma coisa. Sobre a menina que repousou perigosamente sobre a grama depois de ser lançada da janela do sexto andar pensamos todos a mesma coisa. Sobre o balançar das "palafitas" financeiras ao redor do planeta pensamos a mesma coisa. Sobre o problema das águas que caem desesperadamente em lugares que estão longe de serem os rios e os mares pensamos a mesma coisa.

Quero mesmo o direito de pensar diferente!

E agora entra outra parte da questão: como vivem aqueles que se atrevem a fugir da regra correm o risco de serem implodidos antes que o dia acabe (Tenho medo de entrar nessa lista também). Porque às vezes me assusta a maneira como as pessoas têm de desafiar o pensamento dos outros quando este não é o mesmo que o seu. Ai daqueles que não se compadecerem com as vítimas das águas, ou ai daqueles que continuarem comprando em tempos de notas de consumidores de um dólar à mão. Ai daqueles que não se aquietarem em seus sofás e esperarem o dia clarear pelo próprio movimento dos raios do sol.

Defendo que a ordem natural existe, mas mesmo ela, a Natureza, precisa de co-operadores. Alguém precisa abrir a janela da sala se quiser ver o sol mais de perto. Alguém precisa fazer o suco se quiser saber por que a manga é tão doce quando madura.

Não sejamos terroristas anti-racionais. Deixemos livre o exercício do pensar. Esses terroristas armam estrategicamente planos em lugares secretos e, no momento em que fingem-se não existirem, saem explodindo os castelos de cartas daqueles que estão desacostumados a pensar.

Confesso que pensar é uma coisa difícil. Porque primeiro é preciso ouvir; a si próprio e aos outros. E é nessa hora que o nosso pensamento escapa como programação de TV que vai aos comerciais e volta já-já.

Quer ver uma coisa? Você ficou aqui acompanhando esse raciocínio que é só meu e eu o limitei a pensar como eu, nessas linhas, enquanto você me ouvia. Nem sempre é tão fácil fugir à regra. Alguém pensa diferente?

O filho de Obama

terça-feira, 11 de novembro de 2008


Para os obametes de todo o mundo.
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É. O novo presidente dos EUA tem um filho! E esse filho sou eu. Latinoamericanamente falando, eu sou o melhor membro da família Obama.
E sabe por que papai escolheu ter um filho aqui?

Depois de escolher o Quênia como lugar para nascer seu pai, os Estados Unidos para sua mãe, a Indonésia para ver as cores da infância e o Havaí para fazer nascer as idéias da puberdade, my big daddy viu que era bom que fosse aqui o melhor lugar para seu filho nascer.

É isso mesmo! Obama sabia de tudo. Sabia o que era bom e o que era ruim. Ter um filho latino-americano significa estar num lugar estratégico onde o presidente norte-americano deve estar.

O passado no Quênia lhe garante humildade, os Estados Unidos garantem-lhe legalidade, ter nascido no Havaí significa vir de um lugar altamente multicultural, com raízes ancestrais polinésias misturadas a uma essência européia bastante particular. E foi essa campanha das diferenças que papai utilizou durante toda a campanha: de que, como um novo tipo de liderança, ele era de todo o lugar.

Parece que vou querendo convencê-los de que minha tese tem valor. Não se iludam. Não é agora que a nossa família vai realmente mostrar a que veio.

Papai me deixou esperar por esse momento muitos anos. E todo ano ele dizia a mesma coisa: Calma, meu filho! O tempo certo vai chegar. O tempo onde todas as diferenças serão o grande charme da história. O mundo cansou da igualdade. Eu preciso de você aí, onde você está.
Eu não entendia direito o porquê de eu não viver com eles na América e ter que esperar pelo “novo dia”. Mas papai me deu a resposta por telefone assim que derrotou aquele Velho Sem Graça.

(...)

Como agora eu sou um menino do Estado, minha vida tem segredos de Estado. Mas, talvez pensemos que ter vovó na África não é muita diferença nos planos de papai, que nossos tios no Havaí tampouco têm muito a oferecer; no entanto, eu, aqui, posso ajudar papai a tornar a vida dele mais fresca e o quintal deles mais verde.

Ausência e Presença

sábado, 1 de novembro de 2008


Venho agradecido dos comentários amigos que recebo. E querendo que estejam sempre, venho com mais essa. (vocês entenderão!)

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Acho formidável quando, dependendo dos contextos, essas duas palavras modificam as relações humanas. Não querendo aqui ser o poeta do encontro das palavras, mas, pergunto-lhes por que, agora, pensarmos em ausência e presença?
Primeiro respondo que essa reflexão trará para perto de nós maneiras de lidarmos melhor com o buraco do nosso meio: essa vida.

Ao olhar a natureza das cores, das sombras e dos sabores, é possível entender como um pouco de ausência e de presença fazem toda a diferença. Imaginemos se num belo dia de sol tivéssemos menos horas para desfrutá-lo? Com certeza a ausência dessas horas traria pouco sentido à presença de tanto sol, não é? Ou se no momento em que ele se põe pudéssemos estar presentes para apreciar tamanho espetáculo? São poucos os que, nessas horas, assinam tal lista de presença.
Fico ainda a pensar como faz sentido que a presença dos sorrisos, abraços, suspiros é o sinal de que as dores não se fazem presentes. Nesses casos, é preciso enxergar sob a ótica da ausência o valor que a presença das coisas tem. Ou se puder, fazer o contrário. Como se na hora em que nos despedimos do melhor amigo quando ele vai embora de nossa cidade, uma ausência iminente fizesse com que o tempo passasse lentamente e tivéssemos mais tempo para desfrutar a presença dele. Na fuga da presença, a ausência assume um lugar poderoso dentro da gente e se converte em saudade. E, ziguezagueando, verifico que, apesar do desejo da presença ser maior, a ausência é imperiosa. Justifica-se porque somente a falta machuca, constrange, adverte. Ela se espalha no momento em que ficamos sozinhos e apertam-se as dores, negando-se a mesma ausência. Coitados daqueles que se “divertem” na escassez dos seus dias. Ou talvez aqueles que, no afã de sufocar as ausências, abarrotam-se de coisas a fazer e deixam o stress estar presente.

Confesso que isso, esse jogo, não tem fim. No entanto, sugiro que olhar a vida por qualquer desses ângulos exige cuidado. Se é sorrir para não chorar, ou sofrer para não amar, ou mentir para não contar, tudo isso é deveras perigoso. Se num momento estamos e, num outro, o vento nos leva pra longe, importa que sejamos. O importante de hoje é que tenhamos cuidado ao perceber que a presença de algo já não é o que era, ou seja, o novo sentimento é uma ausência presente.

O novo gosto das coisas

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Para aqueles que sentaram aqui e esperaram eu contar mais uma história antes de dormir.

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Venho pensando nesses últimos dias que, à medida que o tempo passa, o mundo vem tendo mais a nossa cara. Tá tudo tão bonitinho, tão engraçadinho, tão arrumadinho, do jeito da gente. As ruas, as praças, as cores, a vida. Tá tudo bem legal. Encontramos por aí prédios, árvores, cidades organizadas como se fossem grandes famílias, cada uma com o seu lugar e o seu papel definidos. E tudo, pra nós, é bem “familiar”.

Mas não vejo que isso revele-se tão emocionante assim. Por que há coisas curiosas nessa nova arrumação. O caminho pelo qual caminha a humanidade parece ser bem distante dos primeiros passos humanóides. E não por que temos a maravilha tecnoeterna. Mas porque a ordem agora é outra. Somos, de fato, antropocêntricos e essa nova arrumação é coordenada por nós. Pergunto: por que os passarinhos não cantam tão alto quanto antigamente e a harmonia deles é cada dia mais desarmônica? Todos eles têm andado tão subtonados, como se tivessem perdido os ensaios das orquestras do desenvolvimento e a vaga de solista fora entregue às grandes máquinas barulhentas que cantam em lá – ré – dó. (Lá do outro lado, ré-sta um barulho mais dó-loroso que o outro).

Nessa pressa de fazer com que tudo tenha a nossa cara, o nosso jeito, jogamos fora a lei natural das coisas. Solicitamos às nossas autoridades os indicadores “socio-arvorômicos” das nossas florestas. Queremos saber quantas elas são, quanto medem, o que produzem... já se fala até em “expectativa de vida para essa população”. Rá...parece até piada essa idéia de que nós somos os cuidadores da Natureza.

Que não tenham sabor panfletário, mas essas idéias não partem de aqui. Apesar de poucas, são pontuais as idéias daqueles que se recusam a fazer parte dessa casa de aço a morar numa oca joão-de-barriana. A vontade que eu tenho é de que a cada dia diminuam nossos desejos e aumente a naturalidade das coisas (que anda tão bissexta ultimamente). Que os rios voltem a adentrar as cidades, que o mato verde cresça por entre as calçadas. E que percamos a vontade de fazer desse mundo a nossa casa. Ele não é nosso, senão dos que se integram às suas origens.
Eu não quero que o sol deixe de brilhar mais forte porque eu estou de óculos escuros. Não quero que as gotas de água caiam fracas porque eu uso guarda-chuvas. Quero mesmo o sempre certo gosto das coisas.

A deseducação

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Àqueles que, involutariarmente, jogaram os sapatos em mim. Eu vos agradeço.
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E aí mandam a gente pedir desculpas.
Desde que somos criancinhas e, levianamente, jogamos comida na mamãe, ela olha e diz não pode e peça desculpas à mamãe. E obedecemos, como pequenos aprendizes de uma arte que carregaremos ao longo de nossas vidas.
Na visita dos parentes distantes, ao passar pela sala, o menino é ensinado a pedir desculpas quando for atravessar alguém, pedir desculpas quando sorrir alto ao achar engraçado a roupa feia da titia, pedir desculpas quando o copo de café quente é derramado sobre o tapete vermelho da sala. E, nós, os articuladores dessas ‘belas’ histórias, inventamos esse mundo de formalidades para que a presença viva do novo não nos assuste tanto.
Tudo nasce como fruto de uma profunda desonestidade e essas palavras mágicas surgem como se não houvesse outro remédio. A cada hora que passa, um escreve com a mesma caneta o sermão de mentiras que o outro deseja ouvir. É também o namorado ligando para a namorada e pedindo desculpas pelo flagra no motel com a outra. Ai...essas histórias de convivência, essas conversas de boa educação vão nos tornando cada dia menos sensíveis.
Dia desses, ouvi uma história engraçada de um garoto que teve que pedir desculpas ao coleguinha porque o chutou na canela na hora do futebol. E eu pergunto: de que adianta o afago das palavras se o íntimo já não atende mais? A presença delas somente alivia o peito e reforça a falsa educação que atendeu um chamado. O menino crescia em ódio, mas a boca foi obrigada a falar nunca mais farei isso de novo.
Nesse diagonal que é a vida, há espaços também para os pêsames, as calamidades, as situações de desagrado. O mais curioso é o pai se torturar por dentro ao repetir cuidadosamente as desculpas pelo caminhão de brinquedo que não apareceu no Natal do filho. Por que não deixar as arestas das palavras? Por que arredondá-las?
E assim eu penso, pra que servem tantas desculpas quando, na verdade, o que mais queremos é ser insistentes nas nossas ambições. Pedir desculpas pela alegria, pela irreverência, pela ambigüidade? Nem pensar.
Dentro disso, não peço desculpas. Vivamos em entregar a cada um o que merece. Afagos e honras aos que nos deram flores. Certificados de inglória àqueles que cruzaram o caminho com facas em mãos. Quem ignora o espontâneo é porque tem medo dele e se aquece em meio aos arames farpados. Acho justo que ninguém deva satisfações. Que sejam bem-vindos os carinhos perigosos das verdades.

A reconquista

terça-feira, 29 de julho de 2008

Depois de mil e uma noites, este modesto volta a sentar na sua poltrona. Obrigado àqueles que vieram e eu não estava em casa. Sejam novamente bem-vindos..
Pardon moi.
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Mandei comprar sapatos novos. Pedi que trouxesse numa embalagem de laços fortes. Que fossem amarelos. Para mim, que sou cliente especial, eles viriam de longe. Como eu os daria a ela, feitos sob encomenda.
Depois da briga, era preciso fazê-la suspirar. Era preciso fazê-la refletir. Ficamos muito tempo longes. Eu aqui e ela lá. Eu tentando dizer e ela nem se importando com isso.
Rodei ruas e avenidas procurando o melhor motivo para apagar meus defeitos. Não é tão fácil assim esconder esse meu jeito, essa polêmica humanizada na qual me tornei com o passar dos tempos. O garoto de quinze anos já foi consumido pela responsabilidade desse “trinteoitão”. E o trabalho? E o compromisso com o pessoal da fábrica? E as respostas? Agora, a cabeça se volta para as contas, para os remédios controlados, para os efeitos dessa adrenalina chamada minha vida.
O que custava ter me dito que meu excesso de vergonha havia estragado tudo? E o que adianta esse excesso de perguntas se ela ainda não me ouve?
Ainda assim, continuei tentando. Como um sultão que encomenda um Taj Mahal a fim de retornar o desejo rumo a um mausoléu romântico de paixões eternas. Dessa vez, queria que o trabalho de restauro compensasse as infinitas odes solitárias que cantei nos dias frios. Dessa vez, eu queria a ela, a vida de princesa.
Mas não, ela dizia, o que se perde não se acha. E achando-o, se revê os estalos. No caso do nosso desabamento, uma nova encomenda.
Os sapatos chegaram. E eram divinos. Muito mais deslumbrantes que todo o mármore preto usado no edifício dos primeiros anos. Corri o pensamento para o dia oito. Cheguei e me apresentei. Renascido, contemplável.
Ela me olhou, pegou a encomenda e disse não.
Desesperado, saí à rua e, esperando pela última ação, eu a vi se preparando para atirar os sapatos em mim, como da última vez.

Le petit prince

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Livremente baseado na obra de Antoine de Saint-Exupéry e no comentário de uma amiga
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Eu sou o pequeno príncipe do qual foi tirada a rosa. Eu sou aquele do qual o planeta se faz em pó. Eu sou da terra onde o carneiro virou lã. Eu sou aquele que te ensinou a aprender a admirar uma flor, um sol, um, dois, três, cinco, seis.
Sentir-me vazio? Nada. Vale a pena.
Nos campos limpos desse céu, olho e vejo mais planetas do que quero. Vejo mais lugares pra ir. Lugares tão bons, cheios de coisas tão boas. Every little thing to check.
E eu sonho. Acho que posso alcançá-los. Se posso querê-los...
Tenho ouvido muitas estórias mal contadas de que um dia seria visitado. De que um dia alguém se importaria. Estórias. Escórias.
Estou prestes a beber meu último gole de água. Perto do poço.
Mas, volto pra mim. Volto pro mundo. O meu, o meu é tão pequeno. Sair dele requer quase nenhum esforço. Só é preciso uma coisa: uma chamada. Telefônica, telepática.
Quando ela aparecer eu sairei do meu planeta. Mas se não... verei a serpente.
Abro a porta de casa. Sem rosa, sem baboás que crescem muito. Sem vocês. Vocês nos outros planetas. E eu aqui, no encontro da serpente. Eu não vou gritar. Não vou chorar. Eu sou o pequeno príncipe pré-consumação.
Olhando pro céu, verão estrelas. Eu estarei lá.
Enquanto isso, olho pra vocês e digo: Ainda resta uma vida!

Voltas em torno da Lua

sexta-feira, 2 de maio de 2008

turning into my conscience

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Andei por lá, quando estive doente de você. Quando você rejeitou o meu orvalho. Quando um corpo se perdeu. Aí, voltei a dar voltas.

A menina anotava no caderno, quando, de repente, chegou seu irmão.
Como um grande olho galináceo que tudo pode e tudo vê, ele se aproximou e pediu para ver as anotações.
“Não podes. É meu. E só meu.”
Ele chegou mais perto da cama dela e resolveu sentar-se para observar a situação com um pouco mais de calma.
“Sinto que há algo estranho nessa estória. O que você anda fazendo escondido é permitido ou proibido?”
Ela entreolhou-se.
“Responda!”, ele esbravejou.
“Permitido ou proibido? Por que se for proibido você terá um severo castigo como forma de compensar seu deslize. E se for permitido, também. Por ter voado fora da órbita sozinha.”
Ela não entendia muito bem aqueles poréns, mas resolveu arriscar:
“Era permitido! Eu visitei a Terra, dia desses.”
Ele não se conteve e começou a gritar nomes estranhos, como se uma onça sorrisse furiosamente naquele lugar. Ela não podia ter feito isso. Não, não ela. Ela era fraca demais. Se arriscou.
Ele explica a ela: “Escute, e guarde para si. Sair daqui, do normal, é perigoso. Os humanos são seres imperdoáveis. Des-humanos. Nunca te aceitariam de coração aberto. Aliás, quando estive por lá, me encantei pelo local, pelas pessoas. Mas, a primeira tentativa de aproximação foi repreensível. Doeu. Nunca terás o direito de escolher. Eles sempre escolhem te fazer sofrer.”
Ela arrisca, mais uma vez: “Mas se eu quiser ser feliz com eles?”
Ele diz: “Entendo que tens a força de crer ainda. E eu desejo muito mais que isso. Mas, humanos são perigosos. A eles não é facultável o viver. Eles residem corpos. Com eles, você não é sua consciência, e, sim as outras. Se quiser ser feliz ao menos um minuto e não sofrer com os outros, dê voltas em torno da Lua.”

Pessoas são caixas de sapatos

domingo, 27 de abril de 2008

Aos meus amigos, minhas caixas prediletas
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Rosas, azuis, amarelas ou cor de chão. Pessoas são caixas de sapatos. Podem estar leves como o quê, ou cheias de amargura, inveja e decepções. Alguém as escolhe para ocupar o canto superior do guarda-roupa, no íntimo de fazer-lhes escondidas. Há aqueles que elegem outros para um lugar especial e os guarda das aflições. Há caixas que são escolhidas para não serem escolhidas. Jogadas ao canto, se enchem de traças e baratas que estragam seus sonhos, seus objetivos. Encolhem sua vida.
Razões mil outros têm na hora de fazer de uma caixa de sapato um objeto de decoração. Há aqueles que fazem dos outros belas obras de arte, um artigo de luxo no estilo decòupage. Sabem identificar suas potencialidades, os seus melhores atributos.
Mas quanto às caixas e à sua razão... Muitas delas se mantêm fechadas livres da insensatez. Se preservam de tudo e de todos. Até dos sapatos. Se lacram. Ou então, sabem ocupá-los devidamente. Para cada caixa, sapato. O sapato é o tiro de dor que o mundo oferece todo dia. A sola suja de terra, o pisão com o bico, uma chinelada nas costas. Há muito do que se guardar. As caixas espertas sabem muito bem.
Há aquelas que, mesmo não podendo, carregam consigo fardos de outros. O fim é a derrota. Para cada caixa, um par de sapatos. Já é o suficiente. Nada de querer guardar o mundo.
Há caixas que têm coloridos especiais, efeitos, formas de dobradura diferentes, mas o seu interior é comum. É igual aos das caixas-sem-sentido. É tudo papelão! Só para constar: o que importa mesmo é o espaço que há por dentro. Dentro de cada caixa. A forma como se encaixa um sapato dentro de uma caixa é um segredo. É uma busca por uma acomodação de um sentimento que precisa estar livre das intempéries externas. É dado um valor ao objeto guardado, o de um amor. (Que destino terá as caixas que não podem cantar um amor próprio?) O conteúdo acaba se tornando mais importante do que a embalagem. E nas pessoas, vai de igual forma. O segredo, então, não está no visual de fora, está na forma como se lida com as coisas de dentro.

Historinhas japonesas ou o japonês convertido

terça-feira, 22 de abril de 2008

Obrigado pelo carinho sempre. Arigatou gozaimasu
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Elas nunca começam com saudade. Porque no Japão não há saudade. Há pensamentos de ontem. Porque as coisas são de ontem. E, para que isso faça sentido em qualquer lugar, acha-se o Japão um lugar incomum. Onde além da saudade, não há o acaso. Há o poente, o circunstancial, o ocaso. Há o Sol que teima em se pôr vinte e quatro horas após o seu.
E é esse Sol que braseia as historinhas bem japonesas, regadas ao molho shoyo com personagens tipicamente saquês habituais.
(...)
Em certa vez, há uma menino que se deita na sua minúscula cama. E na cabeça desse menino há coisas que se importam com os outros. Um garoto que decide expandir-se além dos limites da ilha Japão.
Não pensa só no pai ou só na mãe. Pensa no outro. Pensa naquele. Deixa de pensar consigo.
Vira-se e estuda um plano. Vai, noutro momento, virar terremoto e sacudir o mundo, chamando a atenção do real. Vai também contar sobre os seus segredos e as suas respostas sobre os caminhos difíceis que as pessoas escolhem seguir. Vai dizer-lhes que não é bem assim.
(...)
Um dia, acorda cedo e se localiza em Nagoya. Porque Nagoya é o centro. Infiltra-se por subcamadas. Quer ir mais fundo, para o efeito ser maior. O mesmo anseia ardentemente chacoalhar a terra firme e dizer-lhes que infertilizaram seu solo. E, que ele quer volta. Quer o retorno da cerejeira. E não, monumentos de cimento que só relembram histórias.
É chegado o grande dia e o menino vai enfim virar-se terremoto.
Se prepara e aciona-se.
Mas há algo errado. Pois que nada acontece. O menino-terremoto não atinge seu alvo.
Ele re-olha seu planejamento e o percebe em ordem. Mas, não sensibilizou.
Mais uma olhada e o menino vê os prédios japoneses em pé. E, ao lado deles há placas onde se lêem: “construções com esquema anti-terremotos”.
Pronto. Segredo revelado. A urbe japonesa se preparara para terremotos e outros abalos sísmicos.
O menino entristece-se. Seu plano por terra abaixo.
Ele pára e pensa.
Vai mudar de plano.
E na volta pra casa apanha no caminho um livro sagrado e decide ser homem-bomba.

A lei dos nossos problemas

domingo, 13 de abril de 2008

Depois de algum tempo...
I'm here.

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Tenho sido capaz de pensar sobre questões que são antes de íntimas, coletivas. Elas falam sobre aquilo que eu e você inconscientemente produzimos ou nos deparamos.
Somos uma sociedade marcada pelo racionalismo, pelo complexismo, pela imperfeição. Mas o que poucos teorizam é o fato de sermos o resultado de muitos de nossos problemas. No entanto não são problemas particulares. Trazemos consigo os problemas da humanidade.
Há um celeiro de problemas irrespondíveis no mundo que as pessoas insistem em esquecê-los. Mas quem os dará conta?
Continuemos.
Se eu sou o resultado melhorado de experiências genéticas bem sucedidas, de, segundo a lei da adaptabilidade, resultado de um organismo melhorado biologicamente, sou o elemento final de uma série de evoluções fisiológicas.
Seguindo ainda essa linha de raciocínio, entende-se que os problemas que meu pai tivera na infância, ele conseguindo resolvê-los, repassara esse saldo para mim num processo psico-evolutivo. Impossível?
Sei que ainda é cedo para ficarmos acertando tais coisas. Mas se o vantagismo biológico, a mudança celular, e até mesmo as emoções são passadas de geração em geração biologicamente, porque as idéias não seriam? E junto com elas as perguntas insolúveis?
Saber que em todas as culturas elementos como o sorriso, a afirmação (mesmo que não hajam contatos próximos) as afirmações de Darwin nos são úteis quando nos predispomos a estudar o caos contemporâneo. Todos nós somos equipados diariamente de informações que urgem em respostas objetivas a todo instante. Mas se as respostas não vêm e os problemas continuam, quando eu morro, eles morrem comigo? São essas as perguntas às quais me refiro. O lixo contemporâneo e essa época maluca de ceticismo dizem que na nossa época as grandes narrativas já se foram. E que é a vez do ineditismo. Mas continuo batendo na tecla de que sou sim o resultado de problemas mal-resolvidos dos meus pais. Problemas fecundos que merecem respostas nesses dias de hoje. E que se não houver eliminação de dúvidas seguirão insistentemente até chegar em gerações futuras e desaparecem sob a forma de respostas plausíveis e concretas na sociedade do esquecimento.

Vem como chuvarada

terça-feira, 1 de abril de 2008

Peço perdão aos meus ilustres leitores-amigos pela ausência. É o limite do artista.
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Comecei a cantar flores de outono enquanto você só me trazia invernos. Comecei a lhe contar segredos enquanto você tapava o sol com uma peneira. E quando eu queria vento, você só me trazia águas.
Resolvi seguir seu curso, embora condenável.
Virastes chuva. Caía de cima. Mas eu me perguntava: por que não chovias de maneira adequada? Por que não sentias o que deverias sentir?
E hoje, por que essa água toda não ousa me invadir por dentro, ao invés de ficar só respingando vergonhas?
E nesse momento olho pra você. Você cai. Você deságua.
Você me trazendo imagens feias todos os dias, achando bem que eu vou me importar com isso. Pois bem, não vou.
A água suja pode cair no meu quintal, mas água é corrente. Ela bate e vai embora.
Não deixe essa água condensar-se e virar pedra. Não permita ser icebergueada e ir-se para o Norte.
Ô meu bem, eu não serei a represa que esse seu rio procura.
Só serei o oceano que espera seu mar.

Pimenta é refresco

quarta-feira, 26 de março de 2008

Num sei...mas o texto passado revelou-se confuso.
Pardon moi.
Mas eu falo mesmo. Deixai a preguiça.
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Naqueles dias chatos e sem luz a vontade que tem-se é que uma abelha rainha pouse na cabeça e chame as operárias ao trabalho. Preciso de gente.
E quando nada acontece, lembra-se que esse jeito cabuloso de se afastar mais é resultado de uma esfoliação genética, dizem os cientistas.
A cada minuto, menos íntimos nos tornamos. Menos da minha-sua vida sei.
Relações tão feitas distantes. Homens e mulheres que nem as bocas abrem.
Chamemo-nos: é hora de contarmos fofocas sobre a vida alheia!
É hora de abrirmos o verbo. De inventar estórias e estar pronto para a briga.
Digo, com isso, que pimenta é refresco.
Nessa hora, abre-se o circo e soltam-se os leões.
Vamos tornar mais quentes esses dias de chuva. Fazer soar áspero o doce som da quietude. Ô gente, tragam-me ruídos no café.
Vamos dizer aos quatro ventos que ser humano não é normal. E que só as plantinhas são razoáveis nesse mundo. Dançam e se divertem e nem precisam se culpar. De resto, todo mundo é o mesmo pote, sempre.
Em nós, é tudo culpa do córtex.
(E quem matou quem? E quem quebrou o pote de pimenta?)

A nova Sissi

segunda-feira, 24 de março de 2008

Aquele que vem buscando a coroa, tem-na guardada na lembrança dos orientes perdidos. Dentro de pensamentos contentes quer ser vivo. Quer ser mais.
(...)
É chegada a festa. O xá da Nova Pérsia fará as honras.
No decorrer, tem-se nota de que falta algo na receita do prato de entrada.
O principal ingrediente, mesmo para mim, que já visitei a Europa, a Zorópa, a Etiópia, é saber se comportar com o luxo dos marajás, dos rajás, dos tais carcarás.
Ah... tarefa difícil, quando o que trazes no alforje são verbos sem ações.
Impraticáveis.
Eis o primeiro: saudar. O senhor queria mais prêmios e mais ofertas.
Mas, para quem não habituou-se desde pequeno às reverências, dá-lhe gafes.
E o saudavam dizendo: Salve rei dos Judeus.
Quanta lobotomia.
O chefe requerendo novas ofertas. Dessa vez, cortou-me o cérebro.
E da próxima, o próximo da fila.
Provavelmente, ele, o xá, tem jóias mais poderosas do que essas.
Mas, ser a nova Sissi não é coisa tão comum.

Saudade

sábado, 22 de março de 2008

Esse texto veio num momento especial onde todos nem me diziam coisas...
Serve pra muita gente, apesar de que ele foi feito sobre e pra mim.
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Que bate na porta da frente e me assusta pela porta do fundo. Que adoece de calor os mais fortes. Faz estragos nas plantações.
Um dia uma árvore virá ao meu encontro para pedir o abraço. O abraço esquecido. O abraço rejeitado por aqueles que um dia eu disse te amo e não mandaram respostas.
O poeta disse que o trem balançava seguindo o ritmo dos trilhos, mas a vida não é bem assim. Se eu sou o trem e os trilhos são o mundo, a saudade é a pedra no caminho que interrompe o percurso e nos leva para longe. Longe um do outro.
A saudade não dói. A saudade adormece. Emudece os olhos. Lágrimas que teimam em voltar para fora.
Saudade do cantor famoso, saudade do pintor honroso, saudade do carteiro que não vem mais. Falta até mesmo da tia que tão bem passava as camisas.
Estou no jeito que a saudade gosta: como um pião desgovernado que vai seguindo um caminho que parece ontem. Porque todas as lembranças são de ontem.
O ontem não vem mais. Os trens não vêem mais.
Rastros curtos de um andarilho distante. Que busca no impensável o gosto do quero mais.

A herança

Certo dia, Sebastião repousava quando se deu conta de uma terrível e inquietante idéia. Ele não era feliz. Não que ser feliz fosse mérito pra Sebastião, mas Sebastião não era feliz por um motivo nada óbvio.
Ninguém em sua família havia sido feliz até aquela data.
E Sebastião odiava saber disso.
Sebastião percebeu que havia em sua vida vários começos. Porque a humanidade não começa uma vez.
E não foi feliz até aquela hora.
“A razão?”, pensavam todos, “não foi escrita pelas mãos dos cardeais”.
Sebastião buscou na escola a resposta, mesmo tendo grandes respeitos ao mistério. Ele trazia consigo o problema da humanidade.
Ainda era cedo para ficar acertando tais coisas.
Em fotos antigas Sebastião percebeu que o sorriso, a expressão de fúria, a melancolia no olhar, tudo isso acontecia exatamente igual em seu pai anos antes.
Era mais do que genética. Porque não conseguia resolver questões que já estavam com ele há muito tempo?
E pensando assim, Sebastião foi em busca de sua solução maior.
Tudo que ele mais queria era uma mulher direita, casar e ter filhos com ela.
Casou-se com Roberta. A festa, os convidados. Foi feliz com ela durante alguns tempos. Mas, a receita da felicidade era uma grande farsa na qual ele havia se metido.
E ela perguntava o porquê dele pensar essas coisas malucas.
Até que um dia Roberta apareceu na casa dele com uma notícia.
“Estou grávida”, ela dizia.
Ele estava sendo ajudado pelas contradições.
Abriu um sorriso confuso e a abraçou.
Foi feliz naquela hora.
Levou-a até o hospital e na hora da hora, o bebê chorou e ele disse:
- Vai meu filho! Você consegue. E passe adiante!

É uma questão de tempo

Enquanto Bagdá pega fogo do outro lado do mundo, um garoto entra no MSN e diz em inglês: SAVE THE PLANET! Esse é mais um dos adentes que vivemos nessa tal modernidade. As relações de tempo parecem possuir um caráter tão familiar que pode ser simplificado na fórmula: tempo-sem-resposta.
O pedido do garoto não é incomum, mas parece que é necessário deixar que Bagdá pegue fogo e somente publicar notas e mais notas sobre isso.

O tempo de espera na fila do banco é só mais uma situação ‘catracática’ que permanece. A agilidade do serviço de comunicação, sempre interessado em contar o saldo final do último acidente, não parece ter a mesma agilidade para convocar a sociedade a resolver seus próprios problemas, e as catracas prosseguem.

O passageiro na linha do ônibus não espera a hora de chegar no seu lar e encontrar a ‘novela’ ainda começando.

Esquisito? Não. As notícias que agora vêm em capítulos são tão facilmente digeridas que não faz tanta diferença se o acidente matou trezentas ou trezentas e vinte e três pessoas. Faz tudo parte do tempo.

Programas continuam pulverizando teorias sobre a síndrome de catástrofes do mundo e os telespectadores (inclusive minha mãe) tornam-se experts em comentar os fatos acontecidos. Mas onde estão os experts na resolução desses problemas?

Ela, minha mãe, diz que é uma questão de tempo. Que mais cedo ou mais tarde alguém traz a solução e eu não vou precisar ficar me importunando com tais situações.

Abastecimento de informações.
E meu MSN tá piscando.

Mãe, vi um artista!

Vi quando eu passava situações complexas, meus dias recheados de saudades. Olhei pras estrelas e pedi ao anjo bom que me desse uma luz. Ele me disse que luz ele não tinha, que ele me daria um astro.
E eu teria que cuidar dele como se fosse meu hemisfério esquecido, meu outro lado da vida que ainda estava por vir, cuidaria como se fosse meu elo perdido!
Revi as estrelas e passei os dedos no papel. Ele tomou forma. E cores. Tinha um aspecto enigmático, como desses galãs de filmes suburbanos. Mas era um artista.
Um artista caído na rede, um artista dizendo um ‘oi’ de uma forma tão simples. Um artista que apreende o confuso. A mão na arte de se entregar.
Perguntava-me se era o nariz vermelho do palhaço que aumentava sua graça... ou se a sua ciência de vida que era espetacular? Mas, meu artista não cabia em conceitos. Duvidada-se. Ampliava-se.
Disso, senti temor. Meu artista tinha outras desventuras. Desconversava. Ria. E eu lembrava.
Lembrava do tempo que viria.
Na cadeira do quarto (o menino) resumia-se. Não queria parecer tão grande, tão difícil. Ele queria quebrar as correntes. Só as correntes. Só queria a violeta despontando no peito. Dizer te amo. Queria uma resposta. Tenho vinte.